Ocupar e resistir

andre-netANDRÉ FÁVERO
Professor e mestre em Filosofia pela USP

 
Quem ocupa um lugar que é seu por direito simplesmente o ocupa, não o invade. A escola é o lugar por direito dos estudantes, sobretudo a escola pública. É seu lugar de direito, pois a educação lhes é garantia constitucional, uma conquista histórica de gente que lutou para que a educação fosse gratuita e de acesso universal. As escolas são seus lugares por direito para a aprendizagem e para a construção das condições de seu futuro, e é exatamente isso que ocorre quando eles as ocupam. Ou seja, sem a intenção de as tomarem como propriedades suas (pois sabem que elas são também dos futuros estudantes), nelas, ao ocuparem-nas como estratégia de reivindicação dos direitos ameaçados, aprendem na prática o que significa serem cidadãos de verdade e protagonistas de seu próprio futuro.
Por isso quando os estudantes secundaristas (mais propriamente falando, estudantes de Ensino Médio) ocupam atualmente mais de mil escolas Brasil adentro, eles não estão invadindo-as, mas fazendo valer seu direito constitucional, seu direito à educação, no momento de graves ameaças impostas pela Medida Provisória 746/2016 que reforma (deforma) o Ensino Médio, pelas ideologias do Projeto Escola Sem Partido e pela PEC 55 (antiga PEC 241), a chamada PEC da Morte ou PEC do Fim do Mundo - condenada recentemente também pela CNBB - e que compromete o futuro não somente da educação por pelo menos 20 anos, mas ainda o da saúde, da previdência e de toda a assistência social no país.
Corajosa e criativamente, esses estudantes ocupam suas escolas subvertendo as práticas e os discursos que nelas, geralmente, são adotados para manterem-nos passivos e dóceis. Nelas, se organizam, escutam, argumentam, aprendem, agem e decidem acerca de seu futuro. Mesmo que, enquanto isso, o jornalismo ruim das grandes mídias - sempre a serviço das elites econômicas que querem apenas mão-de-obra barata no mercado -, quando não mais consegue mantê-los invisíveis aos olhos da sociedade, busca deslegitimar e até criminalizar esses bravos estudantes, escondendo do grande público suas narrativas e suas justas causas, e destruindo suas imagens como se fossem alunos vagabundos, vândalos e adolescentes inconsequentes em rebeldia gratuita.
Também nas comissões sobre educação das casas legislativas estaduais e federais, são comuns as táticas de não dar voz e vez aos estudantes, nem aos professores. Mas quando, por insistência, os secundaristas encontram uma brecha para serem ouvidos e apresentarem suas razões, eis que muitos políticos, a quem interessam jovens despolitizados, passam então pelo constrangimento de serem desmascarados. Tal foi o que aconteceu na Assembleia Legislativa do Paraná, durante o persuasivo e contundente discurso da adolescente Ana Júlia, 16, no dia 26 de outubro, facilmente encontrado no YouTube. Quem ainda não assistiu, vale procurar, pois dificilmente você verá em breve um discurso tão dotado de senso crítico, tão consciente das leis, dos deveres do Estado e dos direitos dos cidadãos, tão tocante pela lucidez combativa e tão pertinente neste momento de preocupante alienação política e intolerância no país.
Não tenhamos dúvidas, o discurso de Ana Júlia é apenas a pele visível de um gigantesco corpo estudantil que cresce e se torna cada dia mais robusto ante as tentativas, pelos atuais governos de direita, de calá-los, apequená-los, robotizá-los e privá-los de um futuro com maiores chances de não serem meras engrenagens na máquina de uma sociedade tecnoplutocrática - aquela em que o desenvolvimento da produção e do lucro dos patrões são mais importantes do que a promoção da pessoa e sua dignidade.
Verdade é que as atuais e expressivas ocupações das escolas públicas pelos estudantes secundaristas são, no momento, a mais interessante, eficaz, organizada e literalmente democrática mobilização política no país. Não nos esqueçamos da forte derrota que, no ano passado, os secundaristas de São Paulo impuseram ao governador Geraldo Alckmin. Essa criatividade e vigor políticos dos estudantes, nem mesmo as lideranças partidárias das esquerdas conseguiram criar nos recentes pleitos pelas prefeituras no mês passado, incapacidade esta que deu no que deu: retrocesso por anos onde candidatos aquém das mudanças necessárias venceram, como em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e tantas cidades mais.
Contra os atravessadores dos direitos de todos e contra os verdadeiros invasores, aqueles que querem invadir nossos sonhos e vandalizar o futuro nosso e de nossos jovens, ocupação de escolas neles! Todo apoio aos secundaristas!

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Fonte: http://avpgraficaejornal.com.br/web/?p=12964