Um pingo de cor na cidade cinzenta

AMANDA FACCA – Jornalista, formada pela Unilago de São José do Rio Preto, é colunista no Jornal A Voz do Povo e solta o imaginário no blog Mentes Reticentes. Por definição curiosa, inquieta e criativa. Está sempre em busca de conhecimento e adora desafios. Coleciona certificados e livros. Sonha com um mundo conectado e marcas humanizadas, preza pela verdade e pela ética. Amante das palavras e admiradora da arte, resolveu unir paixões e viver de todas elas. Formou-se em Comunicação Social em 2016, mas atua na área desde 2014. Em 2017 começou a criar suas próprias oportunidades como redatora e social media.

 

Com sotaque arrastado e nome bíblico, sentado em um pequeno canto de uma cidade inquieta. Ele não sabe, mas eu o vi e também ouvi. Em meio ao som de buzinas e pedintes, uma pontada de esperança através de um celular.
Senti, naquele momento, todas as possibilidades de uma história a se passar. Ele poderia ter tantas experiências, mas só exigia uma que já lhe era comum:
– Afasta o celular. Quero ver o seu rosto.
Do outro lado da tela, olhos brilhantes e voz ansiosa revelavam que logo a espera valeria.
A saudade e a distância de um lugar tão diferente e alegre se mostravam intensos. Alguém que deixou a própria família para cuidar de uma parte importante de tantas outras.
Existem poucas coisas de valor. Pude aprender com ele, em segundos, que há muito mais no rosto de uma criança do que escondem os cartões postais.
Uma pessoa, que poderia passar facilmente despercebida, vai de alguma forma, me fazer sempre lembrar da cidade cinzenta com um pingo de cor.
O contraste perfeito para toda a miséria e negligência presentes lá fora. Naquele momento, os assaltos, drogas, fome ou frio, simplesmente tiveram fim.
Talvez, se houvessem mais como ele, a ilusão insistisse por tempo suficiente e acabasse virando rea-lidade.
Eu tentei não rir quando o ouvi contar sobre robôs gigantes e personagens de Star Wars. Tentei não rir quando falou de presentes incríveis e caixas bonitas. Tentei não rir quando pediu para brincar de luta, vídeo game, assistir Netflix e comer pizza… Tudo ao mesmo tempo, em um curto fim de semana. Eu tentei não rir, mas desisti. A felicidade me venceu como venceu o pequeno garoto de olhos brilhantes.
Sei que ele não vai ler e, mesmo que um dia lesse, acredite: nunca vai saber dizer sobre quem escrevi.
Ele não é do tipo que almeja reconhecimento. Ele só quer algo que todos nós temos e não sabemos aproveitar.



Fonte: http://avpgraficaejornal.com.br/layout/index.php/2018/06/14/um-pingo-de-cor-na-cidade-cinzenta/