Uma reflexão sobre a modernidade no desenvolvimento infantil

BRUNA SANTORO MILANI | CRP 06/126178
Psicóloga (PUC-SP)

Atualmente há um vasto material de estudos interessados no departamento infantil, porém, ainda assim, há inúmeras questões a serem aprofundadas acerca das questões desafiadoras que encontramos no universo da infância.

No que se refere a uma reflexão e comparação da trajetória da fase infantil no decorrer das gerações, podemos considerar que ambas são problemáticas. Se antes o período infantil era praticamente nula e as crianças eram vistas como "mini adultos" que tinham como obrigação o trabalho pesado e não direito à escola, hoje em dia as crianças, muitas vezes, são subestimadas, superprotegidas e escondidas por trás de seus quartos equipados com eletrônicos e considerados como uma redoma de cristal.
Antigamente as crianças tinham pouco tempo para exercitar sua autonomia, pois precisavam auxiliar nas tarefas de casa e ajudar nas produções de trabalho praticadas desde muito cedo. Com a inserção da mulher no mercado de trabalho e da alta cobrança de produtividade do mundo da indústria, a estrutura familiar naturalmente levou a um novo modelo. Tal mudança, indiretamente refletiu nos cuidados e educação das crianças, que hoje em dia passam a maior parte de seus tempos dedicados a atividades escolares, reforços, creches, aulas de idiomas e esportes, etc.
Essas mudanças culturais também afetaram nos tipos de brincadeiras e escolhas de lazer feitas pelos pequenos. As atividades de entretenimento como amarelinha, patins, esconde-esconde, casinha, pega-pega, entre outros, hoje em dia são facilmente substituídos por videogames, jogos de aplicativos de celulares/tablets e televisão. Nesta perspectiva, o exacerbado interesse pelo uso de dispositivos eletrônicos acabou por se tornar diretamente responsável pelo isolamento social, já que muitas vezes essas crianças interagem muito mais com robôs ou amizades virtuais do que com amizades reais. Além disso, o uso indiscriminado da tecnologia acaba por limitar o amadurecimento afetivo e cognitivo e provoca o desequilíbrio psicológico, físico e emocional.
Claramente o surgimento da tecnologia na contemporaneidade não se resume apenas a contras. Alguns estudos indicam que se as pessoas souberem usufruir dos recursos da tecnologia de forma saudável e sem vícios, é possível aproveitar do fácil acesso ao conhecimento usando uma nova forma de aprender e de brincar. Portanto, atualmente a tecnologia se apropria como mais um facilitador para alfabetizar os pequenos, além é claro, da tradicional lousa, giz, caderno e o lápis.
É possível perceber que vivemos em um mundo de desiquilíbrio total: Ora vimos excesso, ora vimos faltas. Se por um lado vimos o excesso valor atribuídos à tecnologia, também podemos perceber o excesso uso de diagnósticos patológicos, além do excessivo uso de medicamentos contínuos. Esse desiquilíbrio se deve a "infância problemática" que acreditam estarmos vivendo, pois se o dispositivo eletrônico não é suficientemente bom para preencher a falta (de amor, cuidados, olhar atento e apoio) da criança, então concluem que há uma psicopatologia responsável por fazer com que a criança tenha comportamentos adversos. É claro que existem casos reais de manifestações patológicas na criança em que seja necessária a intervenção clínica, porém a reflexão é que esse tipo de rotulação elimina totalmente as questões subjetivas dos indivíduos, o ambiente em que ele vive e as relações sociais presentes.
Uma das formas pelo qual a mente infantil recheadas de excessos e faltas busca extravasar seu sofrimento psíquico é através de comportamentos demasiadamente controversos com sua natural personalidade, como por exemplo, o descontrole (em forma de agressividade) e a depressão. Esses fenômenos estão sistematicamente envolvidos pela busca da identidade e autonomia de ser e sim, atualmente é bastante comum nas crianças.
Em razão da procura de alternativas não catastróficas e da incessante busca pela identidade que as técnicas de reflexões de autoconhecimento se fazem necessárias nesse processo.
A terapia é importante em especial para as crianças, pois as mesmas tem uma maneira subjetiva e abstrata de se expressar, muitas vezes não conseguindo dar nomes aos sentimentos e a terapia oportuniza sem ressalvas a elaboração e a compreensão dessas manifestações. Além disso, o lúdico terapêutico possibilita que os pequenos organizem, pratiquem e elaborem estratégias para as situações-problemas, além desenvolver potencialidades intelectuais, equilíbrio emocional e maior enfrentamento diante as adversidades da vida moderna.



Fonte: http://avpgraficaejornal.com.br/layout/index.php/2019/10/07/uma-reflexao-sobre-a-modernidade-no-desenvolvimento-infantil/